Ao se avaliar uma empresa através da metodologia do Fluxo de Caixa Descontado, independente do setor de atuação ou porte, um dos principais desafios é o entendimento claro, tanto do ponto de vista gerencial quanto contábil, de como suas vendas são convertidas em entradas de caixa e, analogamente, como seus custos e despesas são convertidos em saídas de caixa.

Para vários negócios, como por exemplo as empresas de Tecnologia da Informação que comercializam seus softwares no modelo de Software as a Service (SaaS), as entradas e saídas de caixa são relativamente simples. As entradas de caixa costumam ser mensais e recorrentes, acompanhadas por notas fiscais emitidas com alguns dias de antecedência. Seus custos e despesas, representados principalmente por salários e contratação de serviços terceirizados, também apresentam grande recorrência e pouca volatilidade. O ciclo financeiro também é previsível, visto que quase todos recebimentos e pagamentos ocorrem em até 30 dias após o fato gerador.

Outros segmentos possuem uma maior complexidade, como por exemplo o segmento de Hospitais e Clínicas Médicas. Nestes casos, onde os ciclos operacionais e financeiros não são recorrentes e possuem certa volatilidade, antes da elaboração do valuation ou mesmo da análise das informações contábeis, faz-se necessária uma profunda imersão nas informações gerenciais e operacionais da companhia.

Apesar de cada negócio ser único e possuir suas próprias regras e peculiaridades, algumas práticas são comuns nas pequenas e médias empresas do segmento de Hospitais e Clínicas Médicas. Por já ter participado da elaboração de vários valuations para o segmento, foi possível destacar as mais comuns:

  • Base de Produção: a Base de Produção representa o somatório de todos os procedimentos realizados em um determinado intervalo de tempo. A Base de Produção deve contemplar, no mínimo, dados reais dos últimos doze meses de operação. Analisando-a, é possível identificar os principais procedimentos realizados pela instituição e estimar, para cada um deles, indicadores como: preço médio, honorários pagos aos médicos, glosas aplicadas, etc.

 A Base de Produção é obtida através do cruzamento de vários relatórios gerenciais, emitidos pelo software de gestão   utilizado internamente e por controles paralelos realizados em planilhas Excel. Especialmente em empresas menos   organizadas, sem uma área de controladoria estruturada, a obtenção da Base de Produção é trabalhosa e demanda   muito tempo dos gestores da empresa avaliada.

  • Faturamento: Hospitais e Clínicas Médicas possuem, em sua grande maioria, contratos com Convênios e Planos de Saúde. São eles os responsáveis por originar boa parte dos pacientes, seus conveniados ou associados, e remunerar posteriormente as empresas. Cada um destes parceiros possui uma extensa lista de protocolos que devem ser seguidos para o Faturamento dos procedimentos e para, posteriormente, a emissão da Nota Fiscal de Serviços (NFS). Estes protocolos visam garantir aos Convênios e Planos de Saúde que os procedimentos estão sendo realizados conforme o contrato firmado entre as partes e de acordo com o Conselho Federal de Medicina (CFM). O Faturamento, que em geral compreende um conjunto de procedimentos realizados em um determinado período, é enviado para cada parceiro. Após verificar que todos os procedimentos estão em conformidade com os protocolos, é liberada a autorização de emissão da NFS.
  • Glosas Operacionais: Caso os procedimentos realizados pelos Hospitais ou Clínicas Médicas não tenham seguido os protocolos estabelecidos pelos parceiros, os mesmos são “glosados”. Em outras palavras, a empresa não obtém a autorização para emissão da NFS e, consequentemente, não receberá o pagamento referente a um procedimento já realizado. Os motivos que originam as Glosas variam desde erros internos no preenchimento e envio de formulários até a ausência de controle em algumas etapas dos procedimentos. A complexidade e burocracia no processo de Faturamento e prevenção de Glosas explica, em parte, o grande volume de funcionários nas áreas de back-office das empresas do segmento de saúde.
  • Emissão da Nota Fiscal de Serviços: Hospitais e Clínicas Médicas emitem a NFS somente após a análise do Faturamento pelo Convênio ou Plano de Saúde. Sendo assim, é comum não haver a rubrica Devoluções de Vendas na Demonstração de Resultado de Exercício (DRE) das empresas deste segmento. Esta peculiaridade, decorrente do fato da NFS ser emitida após a Glosa, pode induzir a erros durante as análises e, consequentemente, nas projeções financeiras.
  • Recebimento: uma vez enviada a NFS, os Convênios e Planos de Saúde possuem um prazo pré-estabelecido para realizarem o pagamento. Este prazo, que depende da negociação de cada empresa com seu parceiro, varia entre 30 e 120 dias.
  • Aluguel de Imóveis: é muito comum que os imóveis onde os Hospitais e Clínicas Médicas estão instalados sejam de propriedade dos sócios da empresa e que não ocorra pagamento de aluguel para os sócios por parte da instituição. Nesta situação, essas “despesas de aluguel” não são registradas na DRE. Faz-se necessário, portanto, acrescentar na DRE Gerencial da companhia uma rubrica de Despesas com Aluguel, cujo valor deve ser estimado com base em informações de mercado. Este ajuste é fundamental para se obter a real rentabilidade do negócio.
  • Honorários Médicos dos Sócios: no segmento de Hospitais e Clínica Médicas é comum que os sócios investidores sejam os médicos responsáveis pela execução de grande parte dos procedimentos. Estes médicos sócios, apesar de gerencialmente serem remunerados pela sua produtividade, como qualquer outro profissional do segmento, não são remunerados através de honorários de prestação de serviços, mas sim através de Distribuição de Lucros. Contabilmente, portanto, estes custos não são encontrados na DRE.

É imprescindível que seja realizado um ajuste na rubrica de Honorários Médicos na Demonstração de Resultado do Exercício Gerencial, a partir de informações coletadas na Base de Produção, as quais são confrontadas com a Distribuição de Lucros da sociedade.

  • Planos de Saúde Pessoa Física: existem alguns Convênios e Planos de Saúde que remuneram diretamente os profissionais, e não as empresas, pela execução dos procedimentos. Dessa forma, parte dos procedimentos apurados na Base de Produção do Hospital ou Clínica Médica não é transformada em Faturamento para estas empresas. Tendo em vista que estes procedimentos são realizados dentro das instituições e essas detêm um percentual dos procedimentos realizados, ajustes são realizados afim de se incorporar resultados não contábeis à Demonstração de Resultado de Exercício Gerencial.

Como não é possível encontrar esse faturamento na DRE contábil, muito menos o pagamento destes honorários médicos, há uma falsa impressão de que a instituição está faturando aquém do esperado, tendo em vista a quantidade de procedimentos realizados. Logo, para se ter o real faturamento desse business, é imprescindível que haja um ajuste gerencial no Faturamento Contábil afim de incorporar essa produção remunerada pelos Planos de Saúde de Pessoa Física, assim como a inclusão do pagamento de Honorários Médicos.

 

Artigo escrito por Henrique Porto – Sócio da FC Partners

Acesse o nosso site: http://www.fcpartners.com.br