Cisne Negro, da expressão em inglês Black Swan, pode ser definido como um evento raro e imprevisível, muito utilizado para descrever situações de grande impacto no mercado financeiro. A crise americana de 2008, o popularmente conhecido “Joesley Day” ocorrido em 2017 no Brasil e mais recentemente o COVID-19 são bons exemplos de situações de Black Swan que impactaram de forma contundente o mercado financeiro.
Em meio a forte alta de 31,6% do índice Ibovespa em 2019, e no quarto ano seguido de valorização, os investidores possuíam expectativas de grande valorização no decorrer de 2020, não somente pela a aprovação da Reforma da Previdência no final 2019, como também por pautas como as Reformas Tributária e Administrativas, Entretanto, o ano começou com alguns eventos de incerteza, como a eclosão da tensão entre EUA e Irã e EUA e China, instabilidade do preço do petróleo e, principalmente, a pandemia do COVID-19.
Se o discurso no início de 2020 era repleto de otimismo, com forte perspectiva de crescimento econômico, valorização do Ibovespa e alta movimentação no mercado de M&A, o impacto do COVID-19 nas principais economias mundiais alterou significativamente estes planos. O novo cenário demonstra queda nas cotações de ações, valorização do Dólar, retração econômica e políticas protecionistas.
Apesar do pessimismo que tomou conta do mercado, eventos dessa magnitude também são responsáveis por proporcionar oportunidades, sendo uma dessas, operações de Fusões e Aquisições (M&A). Empresas que não estão devidamente preparadas para enfrentar crises de forte impacto, porém, possuem produtos ou serviços atrativos, surgem como alternativa de aquisição para aquelas que possuem liquidez e buscam por oportunidades de consolidação, expansão de portfólio e entrada em novos mercados.
Muitos empresários possuem uma ideia de qual é o valor justo da sua Empresa, sendo que alguns ainda possuem este valor sustentado por um Laudo de Valoração (valuation), que capta o valor do Ativo através das projeções do Fluxo de Caixa. Entretanto, durante uma negociação, a percepção de valor pela outra parte geralmente é inferior, principalmente em momentos de crise como o atual. Por mais que o valor da Empresa esteja no futuro, é preciso levar em consideração os bons resultados já apresentados, as perspectivas de recuperação pós COVID-19, os planos de crescimento e o portfólio de produtos/serviços. Desta forma, um instrumento comumente utilizado nas negociações para balizar o valor final no negócio, é o earn-out.
De forma sucinta, earn-out se refere à parcela correspondente à parte do preço de aquisição de uma empresa, vinculada a uma compensação aos vendedores atrelados à indicadores de performance futuros previamente acordados entre as partes, como Receita, EBITDA, Lucro Líquido etc. É uma cláusula muito utilizada em operações de M&A para potencialmente corrigir as expectativas de preço do Comprador e Vendedor em relação ao Ativo
A natural assimetria de informações entre Vendedor e Comprador em um processo de M&A, mesmo após a realização do processo de Due Diligence, é um dos principais motivos para a cláusula de earn-out e nada mais justo do que definir regras que aproximem a visão dos envolvidos.
Neste exemplo hipotético, uma Empresa X possui a intenção de adquirir a Empresa Y, porém os valores ambicionados pela diretoria de ambas empresas se divergem por R$ 3 milhões. Tendo em vista que a aquisição é estratégia para os players, e que ambos querem dar sequência na operação, foi negociada e incluída uma cláusula de earn-out no Contrato de Compra e Venda (CCV).
No CCV ficou estabelecido que a Empresa Y receberá R$ X milhões à vista, no ato de assinatura do Contrato, e mais R$ 3 milhões condicionado a performance futura, que será vinculado ao atingimento de metas de Receita Anual Bruta (“ROB”) no exercício social do ano subsequente à assinatura, calculado da seguinte forma:
- Caso a ROB seja igual ou superior a R$ 10 milhões, a Empresa Y receberá 100% do valor de R$ 3 milhões;
- Caso a ROB seja inferior a R$ 10 milhões e superior a R$ 8 milhões, a Empresa Y receberá uma proporção entre 0% e 100% do valor de R$ 3 milhões, calculada por interpolação linear nesse intervalo; e
- Caso a ROB seja igual ou inferior a R$ 8 milhões, a Empresa Y não receberá qualquer valor.
As cláusulas de earn-out podem ser simples e objetivas, conforme exemplo acima, porém, também podem ser complexas, incluindo diferentes cenários e regras. As discussões são sempre muito delicadas pois a visão otimista do Vendedor é confrontada com a visão pessimista do Comprador, que podem prolongar as negociações por meses e, até mesmo, inviabilizar a transação. As grandes crises, como a proporcionada pelo COVID-19, impactam diretamente as discussões de earn-out, tornando o processo ainda mais complexo.
Acontecimentos imprevisíveis que geram grandes crises são cercados de pessimismo e retração econômica, entretanto criam oportunidades de M&A que devem ser cautelosamente tratadas. Nestes casos, existem dois diferentes cenários que devem ser analisados: transações de M&A já celebradas com clausula de earn-out e transações que ocorrerão devido a oportunidade proporcionada pelo COVID-19.
No primeiro, as metas de earn-out tendem a ser fortemente impactadas, impossibilitando a boa performance da Empresa Vendedora e consequentemente resultando em um agravamento de frustações e potencial litígio (caso o Estado de Calamidade Pública não esteja previstas no contrato). Portanto, cabe a Empresa vendedora documentar as ações adotadas pela empresa para mitigar os impactos causados pela pandemia. Além disso, é recomendável uma nova rodada de negociações dos termos contratuais visando alongar o período estabelecido para atingimento das metas ou até mesmo eliminar os efeitos da crise dos parâmetros do earn-out.
No segundo, o potencial Vendedor deve ficar muito atento às metas estabelecidas para a cláusula de earn-out, observando as consequências da crise a retomada do crescimento, novos eventos imprevisíveis e o histórico de rentabilidade apresentado pela Empresa. Como alternativa as partes podem acordar em atrelar metas e indicadores de performance com menor volatilidade ou até mesmo adotar metas observando um horizonte temporal maior, de forma que a análise ponderada de rentabilidade comporte a recuperação do evento de crise à patamares observados anteriormente.
Em períodos de “vacas gordas” muitos detalhes acabam não recebendo a devida importância, e a cláusula de earn-out, se não for bem acordada, pode incorrer em litígios entre os envolvidos, gerando discussões mais acaloradas e até mesmo ações judiciais. Épocas de crise também são épocas de aprendizado e se bem aproveitadas podem gerar ótimas oportunidades.
ARTIGO ESCRITO POR PEDRO FENATI – SÓCIO DA FC PARTNERS
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