O avanço nas relações comerciais entre países, sobretudo em ativos tecnológicos, vem aumentando de forma significativa a dependência entre as economias. Apesar de serem imprescindíveis ao crescimento econômico, sua alta dependência também pode ter consequências desastrosas, afetando toda a cadeia produtiva mundial. A Crise de 2008 pode ser considerada um grande exemplo.

Problemas financeiros são praticamente inevitáveis na ocorrência de uma Crise. Governos, empresas e famílias são afetados, cada um de formas diferentes, porém um efeito comum é o comprometimento do capital. Segundo dados do IPC Marketing, as famílias com renda média mensal em torno de R$ 3 mil foram as mais afetadas pelo Covid-19, deixando de consumir R$ 105 bilhões em 2020. Segundo dados da mesma pesquisa, famílias com renda média mensal de R$ 25 mil também serão muito afetadas, tendo seu poder de compra reduzido em mais de 10%.

No primeiro semestre de 2020, diante da crise provocada pelo Covid-19, já foi possível notar várias empresas entrando com pedidos de falência. Outras tiveram suas receitas reduzidas de tal modo que foram obrigadas a se reinventar. As empresas não são as únicas a se reinventarem e se adaptarem, foi possível observar também uma alteração no padrão de comportamento dos consumidores. Esse novo comportamento, contudo, pode criar uma situação favorável para que empreendedores consigam extrair oportunidades no desenvolvimento de novos produtos e serviços, como já dizia o publicitário Nizan Guanaes: “enquanto uns choram eu vendo lenços”.

Segundo o “Brazil Journal”, a crise causada pelo SARS em 2003 foi altamente benéfica para o crescimento da até então startup Alibaba, hoje uma empresa global do setor de comércio eletrônico e investida do Softbank, empresa Japonesa. À época, devido a um lockdown imposto à população Chinesa, os principais funcionários da empresa se reuniram para trabalhar na casa de um dos co-fundadores, Jack Ma, para finalizarem o desenvolvimento do Taobao, atualmente o principal marketplace do Alibaba e que influenciou diretamente para que seu valor de mercado atingisse quase R$ 2 trilhões de dólares, e marcasse o início da era do e-commerce na China.

Outro grande exemplo de sucesso oriundo de crises é a Nutella, que surgiu durante a Segunda Guerra Mundial. O cacau havia se esgotado em toda a Itália e foi nesse momento que o empreendedor e confeiteiro Pietro Ferrero, decidiu criar um creme mais barato, feito de avelã, açúcar e com pouco cacau. O creme atingiu sucesso rapidamente em grande parte da Itália, que a princípio, o usavam somente para colocar em bolo. Em 2019 o Grupo Ferrero registrou EUR 11,5 bilhões de receita.

Exemplos mais atuais são Uber e Airbnb, ambos surgiram no período posterior à recessão de 2008. O Uber rapidamente ampliou sua base de motoristas e usuários devido à crise que os EUA passavam, com taxas de desemprego superando pela primeira vez, desde 1983, a barreira dos 10%, segundo dados divulgados pelo Departamento de Trabalho dos EUA. O timming perfeito para pôr em prática o business plan foi o fator crucial no sucesso. Hoje a empresa é avaliada em U$ 83 bilhões.

O Airbnb teve seu início no mesmo período do Uber, com um conceito de marketing de “compartilhamento”, dando a opção do cliente se hospedar na casa de alguém que esteja disposto a compartilhar seu espaço e, em troca, pagar diárias mais acessíveis. O timming do período pós crise mais uma vez foi importantíssimo para o sucesso do negócio, que hoje é avaliado em U$ 31 bilhões.

Os exemplos acima resumem que modelos de negócio não desaparecem simplesmente, porém se reinventam, criando necessidades para os que souberem enxergá-las. Foi assim que a empresa americana Zoom, criada pela startup Zoom Video Communications, teve suas ações valorizadas em 280% em 2020, mesmo com a bolsa dos EUA tendo sofrido grande impacto negativo devido ao Covid-19.

Além do desenvolvimento de novas ideias, como as mencionadas acima, é também durante períodos de grande estresse financeiro que empresas mais capitalizadas aproveitam para realizar aquisições de concorrentes ou ativos complementares. Como abordado no artigo M&A: MOTIVADORES E PERSPECTIVAS essas operações ocorrem por diversos motivos, porém oportunidades como as que derivam de uma Crise Global devem ser analisadas fora dos aspectos convencionais. O simples motivo de um bom ativo estar depreciado dadas as atuais circunstâncias já pode ser considerado bom motivador. Em uma analogia não muito distante, a B3 apresentou um número recorde de investidores de Pessoa Física em 2020, justamente por vários destes investidores acreditarem que alguns ativos negociados na bolsa estavam “baratos” quando a bolsa atingiu 63 mil pontos.

Todo processo de aquisição passa pela discussão do Preço e Valor. Em resumo, o Valor é uma medida da capacidade da geração de valor no futuro, enquanto Preço é quanto se paga pelo ativo. Para que uma empresa adquira outra ela precisa enxergar o seu Valor e saber se o Preço é compatível. Caso a empresa compradora tenha feito um bom estudo sobre os motivadores que a levaram a comprar outra companhia, é provável que esses motivadores tenham captado todo os Valores da aquisição. Esses Valores são impactados de forma menos severa em uma crise momentânea como a atual, porém, o Preço da companhia certamente será reduzido de forma significativa. Como dizia Warren Buffett: “Price is what you pay, value is what you get.”

Essa maior discrepância entre Preço e Valor, principalmente devido a queda do Preço, é o momento ideal para que empresas com fácil acesso a crédito e/ou capitalizadas ditem o ritmo das operações de M&A. Diante da recuperação da economia aguardada para o segundo semestre de 2020, é esperado um crescimento no número de operações de M&A. Operações que foram postergadas irão ocorrer naturalmente nos próximos meses e novas oportunidades entrarão no radar.

ARTIGO ESCRITO POR HENRIQUE PORTO – SÓCIO DA FC PARTNERS

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